sábado, 25 de abril de 2009

Conclusões Precipitadas

© 2009, by Gustavo Pierobom

Já estava na metade da segunda garrafa, o uísque começava a fazer o efeito desejado, não o de embriagar, isto já havia acontecido há uma hora atrás, antes de terminar a primeira garrafa, coragem era o que ele buscava, coragem ou qualquer outra coisa que o ajudasse a fazer o que precisava ser feito.

Sentado no carro escuro, bebendo direto do gargalo e fumando o trigésimo sexto cigarro daquela noite, hábito que havia deixado oitos anos atrás quando nascera seu primeiro filho Nicolas, nos anos seguintes viriam suas duas filhas Mariana e Beatriz, com seis e três anos de idade. Amava seus filhos quase tanto como a sua esposa Helena.

Eles se conheceram no baile de formatura de direito de 1995, Helena era irmã de um colega da faculdade, ela usava um longo e justo vestido vermelho que lhe acentuava as perfeitas curvas do corpo, seus longos cabelos cacheados e loiros em conjunto com seus olhos de um verde liquido lhe proporcionava um rosto de anjo. Quando o irmão a apresentou ao amigo, ela ruborizou deixando escapar um sorriso tímido, foi amor a primeira vista.

Após algumas bebidas eles caminharam pelas ruas desertas da cidade durante horas, conversaram sobre o que gostavam, música, amigos, amores, sobre a vida e o que queriam dela. Ele queria ser um advogado criminalista conceituado, ela uma médica cardiologista, compartilhavam o sonho de ter muitos filhos e uma vida tranqüila, mas tudo há seu tempo. Eram perfeitos um para o outro.

Pouco antes de amanhecer quando uma fria brisa de outono soprou, ele a vestiu com seu casaco e a beijou. Daquele momento em diante nunca mais se separaram, namoram durante cinco anos, tempo este em que viajaram, conheceram lugares, foram a shows de rock, beberam em bares, amaram-se na beira da praia, em quartos de hotéis e em todos os lugares. Aproveitaram o momento em todos os sentidos possíveis, até que decidiram que havia chegado à hora de casarem-se e construir uma família.

Agora ele estava ali, após todos os sonhos realizados, estava ali sentado na escuridão do seu carro enchendo a cara e criando coragem. Coragem para que? Nem mesmo ele estava certo do que faria, só sabia que alguma coisa tinha dado errado, em algum ponto, mas não sabia em qual.

 

No dia anterior, no trabalho, desligou seu celular e pediu à sua secretaria que não o perturbasse por nada e que deixasse para dar os recados no dia seguinte, tinha uma pilha de processos para revisar e resolveu que faria tudo naquele dia, trabalhou desde cedo, não saiu para almoçar como sempre fazia, comeu um sanduíche no escritório, entrou tarde adentro trabalhando. Para sua surpresa, terminou antes do previsto e notou que podia ir para casa um pouco mais cedo.

Mesmo cansado ele estava animado, comprou flores para Helena e uma garrafa de vinho tinto para beberem juntos, chegou uma hora mais cedo que de costume, entrou em casa em silencio, queria fazer surpresa, ficou feliz dos filhos já estarem dormindo, pois já passava das nove da noite, a casa estava silenciosa. Ele apanhou duas taças na cozinha, segurando-as entre os dedos juntamente com a garrafa de vinho e na outra mão o buquê de rosas ele subiu as escadas, procurando não fazer ruídos chegou em frente à porta entreaberta do quarto, pela fresta da porta presenciou a cena que destruiria sua vida, em sua própria cama, de costas para ele, a mulher deitada sobre outro homem gemia de prazer, ele levou um choque tão grande que lhe pareceu uma punhalada no peito, gritou em desespero mas sem emitir nem um ruído, enquanto sua alma e coração berravam de dor, sua boca não proferiu palavra. Ficou alguns instantes imóvel, observando a cena, os cabelos cacheados da esposa cobrindo metade das costas nuas deitada sobre outro homem fazendo amor. Chegou a pensar em interromper o ato, mas foi incapaz, não saberia o que dizer e tampouco como agir naquela situação, então virou as costas e foi embora, desceu as escadas no mesmo passo em que havia subido, deixou as flores e o vinho sobre a mesa da sala de estar, e calmamente saiu de casa, subiu no carro e partiu.

Dirigiu sozinho durante a noite, tentando se conformar, chegou a pensar em parar na casa de um amigo e pedir um conselho, mas desistiu da idéia quando lembrou das palavras deste mesmo amigo, “Você e essa sua história de não trair a esposa, um dia você ainda irá se foder.” Era o que o amigo lhe dizia quando ele negava o convite de sair pra farra depois do trabalho. Não, não era uma boa idéia, o amigo avisou antes, o conselho que poderia ser dado já havia sido dado, agora ele entendia o que o amigo queria dizer com “Um dia você ainda irá se foder”, ele podia até imaginar a cena: Ele chegando na casa do amigo e este dizendo: “ Eu avisei você não avisei? Você deve trair primeiro, porque quando acontece uma merda dessas, você não fica desse jeito que está agora.”

Por fim decidiu ficar apenas vagando, dirigiu pela cidade o resto da noite, à medida que as ruas iam se esvaziando ele não deixou de lembrar da noite em que conheceu Helena, a noite em que eles caminharam por aquelas mesmas ruas solitárias e silenciosas. Quando amanheceu o dia resolveu dormir um pouco, encostou o carro numa rua menos movimentada e dormiu. Acordou-se perto das duas da tarde, por um momento não entendeu o que estava fazendo ali, deitado no carro em plena rua, segundos depois voltou a si, mas não podia acreditar, tentou lutar contra aquela realidade, mas não pôde, voltou a si, e quando se deu de conta que sua vida tinha realmente acabado, quando finalmente entendeu o que havia acontecido, ele decidiu.

Ligou o motor e saiu dirigindo, parou numa barbearia na periferia da cidade, tinha conhecimento daquele lugar, apesar do nome, ninguém ia até lá barbear-se ou cortar o cabelo, o dono do lugar, um homem que chamavam de “Barbeiro” – apelido sugestivo este. – não vendia cortes de cabelo ou barba, vendia produtos, produtos calibre 22, 38 ou o que mais se quisesse nesse ramo, vendia tudo menos cortes de cabelo, corriam boatos que tinha até fuzis AK47 e granadas. Quando ele entrou no local, antes que pudesse dizer alguma coisa o “Barbeiro” disse: “Procurando um ferro doutor? Pra principiante eu tenho esse aqui.” Largando um revolver Taurus 38 de cano curto em cima do balcão, ele levou sem pestanejar e sem perguntar quanto iria custar.

Dirigiu até uma praça e ficou sentado em um banco, olhando para o nada, pensando no que lhe havia acontecido e no que tinha se decidido fazer, nem notou o tempo passar. À tardinha foi até um super mercado e comprou duas garrafas de uísque e dois maços de cigarro, dirigiu mais um pouco e estacionou o carro em uma rua escura perto da sua casa.

 

Já estava na metade da segunda garrafa, o uísque começava a fazer o efeito desejado, não o de embriagar, isto já havia acontecido há uma hora atrás, antes de terminar a primeira garrafa, coragem era o que ele buscava, coragem ou qualquer outra coisa que o ajudasse a fazer o que precisava ser feito.

Enquanto acendia mais um cigarro – o trigésimo sétimo – e bebia mais um gole, começou a cair uma leve chuva sobre seu carro, olhou no relógio: duas da madrugada, estava na hora.

Dirigiu até sua casa, levou apenas três minutos para chegar, estacionou seu carro na frente, a casa dormia numa escuridão tranqüila, pegou no porta-luvas o calibre 38 que havia comprado do “Barbeiro”, bebeu o último gole de uísque da segunda garrafa e saiu do carro, caminhou um pouco cambaleante até a casa, sua visão estava meio embaçada, teve certa dificuldade para acertar a chave no buraco da fechadura, entrou... Como percebia-se do lado de fora, a casa estava completamente adormecida na escuridão, segurando a arma na mão direita e usando a esquerda para se apoiar no corrimão, ele subia as escadas, venceu cada degrau com dificuldade, já não pensava nas conseqüências, não sentia mais remorsos, o álcool tinha trazido a tona toda sua insanidade, abriu a porta do quarto em silencio, ela estava lá, adormecida, deitada de bruços com seus cabelos loiros cacheados lhe cobrindo parte do rosto, por um momento hesitou, não parecia a mesma pessoa que ele amava, talvez fosse efeito do álcool que ofuscava sua visão ou da dor que sentia, não desistiu, pegou um travesseiro e apertou firme contra a cabeça da mulher e disparou, os três estampidos emitidos pelo revólver foram quase mudos, virou as costas e saiu do quarto, andando calmamente foi até a cozinha procurar algo para beber, quando foi abrir a porta da geladeira notou um bilhete pregado com um ima juntamente com uma foto do casal abraçado sob uma arvore, uma foto de quando ainda eram felizes, no bilhete continha as seguintes palavras:

“Amor,

 tive que sair as pressas para fazer uma cirurgia em outra cidade, volto em três dias, pedi a minha irmã Isabel que ficasse cuidando das crianças, ela vai ficar no nosso quarto, espero que você não se incomode de dormir no sofá, tentei te avisar mas seu celular estava desligado. Te amo.

 Helena.”

 

Após ler o bilhete deixado pela esposa, um filme passou pela sua cabeça: Helena recebe uma ligação do trabalho para fazer uma viajem, liga para sua irmã cuidar das crianças, liga para o seu celular, mas está desligado, liga para o seu trabalho, mas a secretária não dá o recado, Isabel chega em casa com o namorado, Helena escreve o bilhete e sai, ele chega em casa e vê a irmã apenas um ano mais jovem que a esposa e muito parecida, transando com o namorado na sua cama, pensando que fosse Helena, conclui que havia sido traído, compra uma arma, enche a cara e mata a pessoa errada.

Naquele momento lágrimas percorreram seu rosto, percebeu que era a primeira vez que chorava depois do ocorrido, ficou ao mesmo tempo feliz por não ter matado a mulher que tanto amava e triste por ter duvidado dela e destruído as suas vidas.

O plano era matar Helena e depois se suicidar, mas após toda aquela confusão mudou de idéia, resolveu ir embora, talvez alguns anos mais tarde pudesse voltar tudo ao normal. Quem sabe? Rabiscou: “Me perdoe” no bilhete de Helena, subiu no carro e saiu dirigindo alucinado, a chuva tinha ficado forte, abalado pelo o corrido e embriagado, perdeu o controle do carro e bateu contra uma arvore a 160km/h, seu corpo atravessou o pára-brisas e foi parar em cima do capô.

Na manhã seguinte, no seu quarto de hotel na outra cidade, Helena recebeu uma ligação, um policial explicou ela todo o corrido, desesperada perguntou sobre as crianças, o policial respondeu que estavam bem, que estavam na casa dos avós, Helena desligou o telefone, não podia acreditar no que havia acontecido. Como a pessoa que ela amou por toda a vida poderia pensar isso dela?

Lágrimas percorreram seus olhos, berrou até soluçar, quando já não tinha mais lágrimas, usando somente as roupas de baixo, ela caminhou até a sacada do hotel, seus cabelos cacheados balançaram com o vento, olhou para a rua, as pessoas estavam pequeninas vinte e cinco andares a baixo... Pulou.

Dois dias depois, todos os jornais do país chegavam nas bancas com a reportagem de primeira capa idêntica:

 

“CONCLUSÃO PRECIPITADA DE MARIDO RESULTA EM CINCO MORTES

“Marido pensando que havia sido traído pela esposa morre num acidente de carro após matar cunhada por engano. Esposa suicida-se pulando do vigésimo quinto andar, na queda atinge jovem de 18 anos grávida de seis meses.”

3 comentários:

  1. Excelente conto, Guga :)
    Você mais uma vez me emocionou com o final (jovem grávida de seis meses, óh céus!!!).

    Não esperava nada nem de longe parecido com isso. Pensei em algum desfecho mais comum, como ele simplesmente ficar louco por ter matado a cunhada inocente ou pagar um preço justo por tal... Mas, "Conclusão precipitada de marido resulta em cinco mortes", foi mesmo surpreendente. Tá de parabéns!

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  2. Uau...

    O final ficou muito bom.

    Não vou negar que no inicio o conto me lembrou muito um filme, mas o finalapagou isso completamente da minha mente. Principalmente a materia do jornal.


    Parabens



    =^-^=

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  3. Parabéns, Guga!

    Narrativa perfeita, boa história e um final surpreendente!

    Sempre escrevo contos imaginando um curta, pude imaginar um lendo o seu!

    ;)

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